sábado, 31 de maio de 2008

A hora do chá




















































A hora do chá




A
ayahuasca conquista adeptos de outras religiões e vive seu momento de
maior expansão e reconhecimento. Mas a bebida sagrada segue polêmica,
no Brasil como e em outros países




Pablo Nogueira











Confira a seguir um trecho dessa reportagem que pode ser lida na íntegra na edição da revista Galileu de junho/2008.














Comunhão de bens: noite de ritual do grupo Beija-Flor de Lótus, que combina elementos do Daime e do Hinduísmo

O que têm em comum o ofício de baiana do acarajé, o frevo
pernambucano e a festa do Círio de Nazaré? Os três são "patrimônio
cultural imaterial brasileiro", título criado pelo governo em 2000 com
o objetivo de auxiliar na preservação de tradições populares. Apenas 12
manifestações culturais receberam esse status, sendo que Bumba Meu Boi
e o queijo Minas aguardam na fila. Em maio surgiu um novo candidato: o
uso religioso do chá ayahuasca, mais conhecido como Daime.


O pedido foi feito durante uma visita oficial do ministro da Cultura
ao Acre, e tinha como porta-vozes políticos, religiosos e o governador
do estado, Binho Marques (PT-AC). A reação de Gilberto Gil foi
positiva: "espero que possamos celebrar, em breve, o registro do
ayahuasca como patrimônio cultural da nação brasileira". A imprensa
nacional rapidamente repercutiu as palavras do ministro. Alguns
veículos apenas registraram a iniciativa, mas outros questionaram a
idéia, na linha "bebida alucinógena pode virar símbolo nacional",
incitando comentários pró e contra internet afora.


Tudo somado, o episódio mostra duas coisas: 1) Após quase oito
décadas de existência, as religiões ayahuasqueiras vivem seu melhor
momento. Assimiladas por outras fés e reconhecidas pelas autoridades,
vêem seu número de apedtos subir 10% ao ano; 2) Todo esse ciclo de
expansão é ignorado pela maior parte da sociedade brasileira, que
continua desconfiando do uso de uma substância psicoativa de forma
religiosa.


Para tentar reverter esse quadro realizou-se em maio, em Brasília, o
II Congresso Internacional da Hoasca. O encontro foi organizado pela
União do Vegetal, que junto com o Santo Daime e a Barquinha, é uma das
três religiões ayahuasqueiras brasileiras. Também participaram membros
das outras duas correntes, e o congresso tornou-se uma defesa da
religiosidade baseada no chá. "Essa é a religião da floresta", disse no
evento a deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC). "Queremos que o
mundo reconheça nossa religiosidade, porque o Brasil não conhece a
Amazônia." De formação católica, foi ela que iniciou a articulação do
pedido de reconhecimento entregue a Gil, embora jamais tenha
experimentado a bebida.


A mais conhecida das três religiões do chá é o Santo Daime. A menos
conhecida é a Barquinha, que praticamente não se expandiu para fora do
Acre, onde surgiu. A que tem mais fiéis é a União do Vegetal (UDV). De
estrutura centralizada e hierárquica, foi criada em 1961, em Rondônia,
pelo baiano José Gabriel da Costa (1922-1971), chamado Mestre Gabriel.
Sua doutrina é cristã e reencarnacionista, e eles chamam o chá de
"hoasca" ou de "vegetal".


A UDV manteve um ritmo lento de crescimento durante boa parte de sua
história e em 1998 contava com pouco mais de 6 mil adeptos. Uma década
depois, esse total está próximo dos 15 mil, sendo que alguns participam
de "núcleos" e "distribuições" (como chamam seus templos) sediados na
Europa e nos Estados Unidos. O antropólogo Sérgio Brissac, que
pesquisou a UDV em sua dissertação de mestrado no Museu Nacional, diz
que o crescimento da religião está ligado ao próprio "espírito do
tempo" que vivemos. "Frente ao relativismo contemporâneo, a dinâmica do
ritual e a doutrina da UDV apresentam a alternativa de um conjunto
sólido de verdades. Além disso, há uma busca por uma experiência
intensa do sagrado, e a vivência com a ayahuasca, unida ao ritual e aos
ensinamentos, oferece essa oportunidade", diz. Ele não aponta um perfil
definido de freqüentador, mas nas grandes cidades predominam pessoas de
classe média e formação universitária.

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